27 de dezembro de 2010

O último pôr de sol no jardim da Irene

Tema sugerido por Réginaldo Poeta.

Próximo e último tema: Depois da festa, o que tem na lata de lixo?
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PRECE

Nos seus momentos mais tristes,
que você não se desespere.
Nos seus momentos de glória,
que a certeza do infortúnio
não lhe abandone o pensamento,
pois a alegria nos é cara
porque conhecemos a dor.
Que seu caminho seja farto,
mas que dele você se desprenda
sempre que o futuro lhe pesar.
Que você esteja entre os que ama
e que nunca, nunca sofra
por quem ao longe estará.
Que você compreenda a maldade
e saiba matar o mal que há em si.
Que seja forte o bastante
para enfrentar o que nunca enfrentou
Mas que você não esteja sozinho
quando um grande alguém se for.
Que você não esteja sozinho
quando um grande alguém se for.

Oswaldo Jr.

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Hera

Arrumou cuidadosamente a bolsa: chaves, carteira, batom, creme, estojo de óculos, um pequeno livro de pensamentos. Última vista no guarda-roupas ainda cheio. Levaria apenas o que estava vestindo. Nada mais. Atravessou a casa ecoante e, ao adentrar o jardim, sentiu-se Eva. Deixou-se tomar pelo ar puro, as águas cristalinas e as heras que subiam por suas pernas fazendo-lhe calor e desejo.

wallace puosso

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Leve.

Leve todos os meus cílios.

Deixe.

Deixe pelo menos o brilho dos meus olhos
Posso precisar dele
Assim que você resolver voltar...

Réginaldo Poeta
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EPICUROu


SOL
TO
Batom na Boca
IR
E
NEm que encontre ARTE
que chame a SORTE
mate a MORTE
e vá prá MARTE
IR
E
NInguém VIR
IR e VER
IR e VIR
Sem Pedir
Ficar e Voar
IR
E
NEm a alma deixar

Raulito

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Ode a Irene

Existem dois modos de observar as coisas:
Pelo olhar dela ou pelo nosso olhar

Existem, basicamente, dois modos de sentir
o que é observável:
Triste ou Alegre,
Ou Irene.

Existem gradações,
mas não falamos disso agora

Não agora, eis que o momento é decisivo.

Irene vê pelo lado dela, o lado de lá
Irene ri, como na velha música

...


Cadê Irene? ...


Fábio Ramos
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TRABALHE COM A GENTE

Derradeiro pôr de sol,
último anoitecer desempregada.

A luz do dia acabando
enquanto o perfume das alfazemas vai invadindo o jardim.

A partir de amanhã
Irene será outra pessoa.
Ela vai irradiar maravilhas!

Pudera; passou no teste para trabalhar como caixa no supermercado. Fazia tempo que ela andava atrás de emprego.
A vida de desocupada, pidona, mal-arrumada, mal-acompanhada, sem-ter-o-que-fazer, chegara ao fim... afinal.

Último pôr de sol
naquele jardim como uma qualquer.

À partir de amanhã,
Irene, será outra mulher.


João Possidônio Jr.

20 de dezembro de 2010

Cidades

Tema sugerido por Fábio Ramos.

Próximo tema: O último pôr de sol no jardim de Irene

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DOIS GAROTOS AOS DEZESSEIS

Lutávamos por mais coisas.
Coisas demais, talvez,
para jovens aos dezesseis.
Mas imaginávamos que paisagens
e poemas pintados no muro
poderiam mudar cidades assim.
Quem sabe, tantos poemas
quanto folhetos jogados nas ruas
em época de eleição.
Pessoas cruzando poemas ao passar,
mensagens de amor no outdoor
a caminho de um lugar qualquer.
Mas o quê!
Cidades não se permitem sonhar.
Os seus passantes sim,
e nós não queríamos esperar.
Sabíamos que não estávamos sós.
Quando falávamos com a cidade
deixávamos de habitá-la, e ela
passava a habitar em nós.
Fazíamos quase sem pensar.
Dois garotos aos dezesseis,
latas de tinta nas mãos
e um muro grande para pintar.

Oswaldo Jr.
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diálogo matinal

Pensei numa coisa
hummm...”
ela ainda nem tinha aberto os olhos
manhãzinha, garoa e preguiça
música gospel vindo da casa vizinha
que tal viajarmos para o sul?
hummm... tô sem dinheiro
racional como sempre
a gente usa o cartão
o meu ou o seu?
(...)
ei, é brincadeira...!
ele só queria sair daquela cidade de merda
pensou, mas não disse
fui multada ontem
puts... de novo?
terceira vez esse ano, maldita fábrica de multas
contribuindo pra prefeitura espalhar
mais fontes pela cidade, é?
não tem graça
agora ela estava bem acordada
essa semana recebi mais dois emails
daquele cara maluco

o que vive dizendo que vai se matar?
hum hum
essa cidade só tem gente maluca mesmo
ai que tédio
e a viagem?
que viagem?
dando de desentendida, sempre
muda de assunto
teve manifestação artística no sábado
hum hum
o seu amigo Antonio Conselheiro estava lá
quem?
nem percebeu a ironia
não sabia o que era pior
uma cidade que é um tédio
uma namorada que é uma porta
ou se o problema era ele
que andava sem saco pra nada

wallace puosso
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"A cidade não pára, a cidade só cresce
O de cima sobe e o debaixo desce"

Chico Science

A Idade da Cida Idade da Cida Idade...

Aos 13 anos, no ano de 1979
Cida deixou sua cidade no estado do Piauí
E veio com sua família morar em São Bernardo do Campo/SP.

20 anos depois
Ansiosa,
Cida voltou pra visitar sua cidade natal
E pôde conferir o quanto tudo havia mudado:

- pessoas
- paisagem
- programação nas rádios
- gostos
- gestos...

Pôde também observar e se chocar
Com a construção de dois prédios enormes no centro da cidade.

- dois dentes grandes nascendo na boca gulosa da especulação imobiliária –

Cida voltou decepcionada pra São Bernardo do Campo.

E se questionava:
É certo condenar esse tipo de evolução?

É certo a cidade mudar tanto sem consultar
O coração dos seus habitantes?

Réginaldo Poeta

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INTELECTUMULO (diálogo com Oswaldo Jr.)

Como se fosse uma tenda Guarani
Todo domingo a gente vem dançar aqui
Assenta a poeira com os dois pés no chão
Sinta o tambor batendo no coração

Quanto custa um brinco Guarani?
Quanto custou a alma deste povo daqui?
Quanto custa um livro da cultura Guarani?

Quem ilustra?
Quem aplaude?
Quem só degusta?
Ou se assusta as custas
Da beleza-miséria Guarani?

Povo daqui
Guarani
Povo dali
De acolá

Sem terra pra dançar
Sem terra pra plantar
Sem terra pra brincar
Sem terra pra caçar
Sem terra pra orar aos deuses Guarani

Brinco Guarani
Tenda Guarani
Livro Guarani
Alma Guarani

Raulito

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Geomemória

Campo-baldio
muro-estrada
torres-árvores
Teto-céu

Cartografia de infante
signos de outra cidade
ocupada pela verdade
de um primeiro coração.

Fábio Ramos
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FUGITIVO

São linhas claras
definidas num mapa,
espaços conhecidos
onde nada se escapa.

Perdí-me em ruas
becos e saídas.
Achei-me em braços,
lixo, prostitutas.

Ví-me nas janelas dos prédios.
Nas vitrines pareci rei.
Desenhei-me nos espelhos.
Nos altares não entrei.

Na multidão sendo levado
peguei o caminho errado.
Segui para longe de mim mesmo
sem carinho ou qualquer cuidado.

Diluí-me neste anonimato.
Vendi minha identidade.
Tornei-me sem perceber
fugitivo nesta cidade.

João Possidônio Jr.

13 de dezembro de 2010

Educação

Tema sugerido por Vanessa de Lima, docente do Senac

Próximo tema: CIDADES
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Olho no Olho

na próxima vez
em que se aproximar tanto assim
prometo que perco o tato.
Jogo no lixo todas as minhas
delicadezas e os cuidados,
troco o temor pela desmedida,
a dúvida pelo fato,
arrisco.
Na próxima vez em que falar tão perto assim
digo que não respondo por mim.
Na próxima vez,
perco a polidez.

Oswaldo Jr.

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Obs.: Para ver a imagem ampliada, favor clicar sobre a foto

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Di-vi-dir
Se-pa-rados
Se-pa-rar

Desculpem
Mas nesse mundo extremamente capitalista
O que mais aprendi
Foi somar...

Réginaldo Poeta
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Obs.: Para ver a imagem ampliada, favor clicar sobre a foto

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AO MESTRE COM CARINHO

"Conta uma dessas lendas urbanas que certa feita, um grupo de brasileiros em viagem ao Japão foi visitar o palácio do imperador e teve a sorte de receber permissão de adentrar no salão imperial onde o mesmo iria receber os visitantes. Tiveram a instrução de se curvarem na presença do ilustre homem e não lhe dirigirem o olhar até segunda ordem. O organizador das visitas perguntou se no grupo havia professores, os quais, após identificados, foram instruídos para permanecerem eretos, diferentemente do restante do grupo.
O imperador ao entrar no salão recebeu as honras dos visitantes, que se curvaram a ele como orientado. Logo em seguida, virou-se para o grupinho de professores e ele, imperador do Japão, num gesto de grande reverência, curvou-se aos mestres oferecendo-lhes o respeito e o reconhecimento àqueles que se dedicam em instruir e formar os futuros cidadãos no mundo."

EDUCAÇÃO

No Brasil ...
Pena que falta educação.
Pena com a falta da educação.
Pena da educação.

Penamos todos!

Que falta faz ...
entendermos
o exemplo do Japão.


João Possidônio Jr.

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Sabedoria

Há a desvelar o que foi descoberto?
A surpresa está em mim ou no objeto?
Sinto-me vivo, portanto existo?
Penso, portanto vivo?
Existo e penso,
Logo conquisto?
Minha vida sistematizada, estruturada, organizada,
- Ou o mundo é que é assim?

Fujo de quê, corro pra onde?
Quem vai responder às minhas perguntas?
Posso viver com emoção?
Qual o limite, que sentimento,
Como acontece a temperatura do sol?

Quando não mais precisarei mais disso,
Quando finalmente serei eu meu mestre?

Que é sabedoria?
Que é sabedoria?
Que é sabedoria?


Fábio Ramos

7 de dezembro de 2010

O que é que tem no sótão?

Tema sugerido por Braga Barros.

Próximo tema: Educação
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FADE OUT

- "Havia algo que eu pudesse ter dito"?
- "Não, acho que não", ela disse.
- "Que eu pudesse ter feito, pra, sei lá..."
- "Não se trata disso, eu..."
"Tudo certo. Vamos dar às coisas o tempo das coisas", ele disse,
enquanto pensava em uma última frase que pudesse dizer e que
o faria lembrar-se daquela cena para sempre. Ele sabia que,
muito em breve, estaria guardando mais uma caixa de lembranças
em meio a tantas outras, que lhe contavam histórias que ele
não queria esquecer.

Oswaldo Jr.
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brilho eterno de uma mente sem lembranças

molduras de porta-retratos
diários em branco
poemas em guardanapos
fotos amareladas
postais desbotados
cartas pela metade
uma flor prensada
entre as páginas de um livro
num lugar chamado saudade

wallace puosso
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Um olhar capaz de atravessar o túnel 65

Aquele homem que todos os dias chega e se esparrama no sofá, sem sequer pensar na carência das flores. Aquele homem que evita revirar o sótão com medo de se encontrar em objetos perdidos e empoeirados. Aquele homem que é respeitado nos grandes centros comerciais por nunca ter arrumado confusão por trocos não recebidos, mas que em casa provoca a paz do seu filhinho por não ter devolvido umas moedas que sobrara da compra do pão da manhã. Aquele homem que adora caminhar, sem buscar o padrão de qualidade física aceitável nas passarelas da vida, mas que busca simplesmente a essência de um ar puro e que se esforça pra entender a delicadeza das pedras. Vi aquele homem se olhando no espelho e pasmem! Aquele homem se parece muito comigo.

Réginaldo Poeta

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Dê Lírios

Azulejo, piso
Peça pra reposição

Muito beijo, branco queijo
Peça para o coração

Ar puro, afresco

Leve-leve
Meu endereço

Raulito
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E tudo o que ele havia secretamente
guardado como garantia de manutenção
da ordem de seu universo, agora não servia
a nada, não fazia mais sentido.
Fechou a página do livro e pensou: Que bom.

Fábio Ramos
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ALGOZ

Foi fácil abrir a portinhola que dá para o sotão da casa onde morou por 27 anos com os seus pais. Agora, que a casa estava para ser vendida, ele resolveu buscar algumas lembranças guardadas lá por tantos anos.
Ainda bem que era inverno e era suportável ficar lá em cima, mas no calor do verão não se aguenta ficar cinco minutos lá sem suar em bicas.
Foi fácil encontrar a caixa de papelão já corroída pelo tempo e pelas traças.
Foi fácil abrí-la e rever aqueles brinquedos velhos, relíquias sem preço, tesouro quase intocável. Eram carrinhos de plástico, bolinhas de gude, pião, pedaços de um forte apache com indiozinhos e cowboys em miniatura. Tinha também um tabuleiro de xadrez, um baralho faltando cartas e o inesquecível caminhãozinho de madeira...
Foi fácil perder-se no tempo e viajar mais de 50 anos até a sua infância...

Difícil foi fechar os olhos naquela noite.
Impossível foi dormir.
Foram tantas as lembranças que passaram pela sua cabeça que as lágrimas não paravam de brotar dos seus olhos.
A certeza de que a infância passou rápido demais e ele não se dera conta do quanto.
Durante todos esses anos nem ao menos a trouxe para perto de si para acalentar o caminho do homem adulto. Não fazia citações nem contava histórias para arrancar risos entre os irmãos, primos ou das outras crianças que hoje estão na família.
Deixou a sua infância guardada naquele sotão, empoeirando junto com aqueles brinquedos.

A noite arrastou-se sem pressa. O relógio tic-tacteava como a dar-lhe golpes na cara.

O sotão na cabeça de cada um não perdoa o tempo perdido.

João Possidônio Jr.