Tema sugerido por Fábio Ramos.
Próximo tema: O último pôr de sol no jardim de Irene
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DOIS GAROTOS AOS DEZESSEIS
Lutávamos por mais coisas.
Coisas demais, talvez,
para jovens aos dezesseis.
Mas imaginávamos que paisagens
e poemas pintados no muro
poderiam mudar cidades assim.
Quem sabe, tantos poemas
quanto folhetos jogados nas ruas
em época de eleição.
Pessoas cruzando poemas ao passar,
mensagens de amor no outdoor
a caminho de um lugar qualquer.
Mas o quê!
Cidades não se permitem sonhar.
Os seus passantes sim,
e nós não queríamos esperar.
Sabíamos que não estávamos sós.
Quando falávamos com a cidade
deixávamos de habitá-la, e ela
passava a habitar em nós.
Fazíamos quase sem pensar.
Dois garotos aos dezesseis,
latas de tinta nas mãos
e um muro grande para pintar.
Oswaldo Jr.
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diálogo matinal
“Pensei numa coisa”
“hummm...”
ela ainda nem tinha aberto os olhos
manhãzinha, garoa e preguiça
música gospel vindo da casa vizinha
“que tal viajarmos para o sul?”
“hummm... tô sem dinheiro”
racional como sempre
“a gente usa o cartão”
“o meu ou o seu?”
(...)
“ei, é brincadeira...!”
ele só queria sair daquela cidade de merda
pensou, mas não disse
“fui multada ontem”
“puts... de novo?”
terceira vez esse ano, maldita fábrica de multas
“contribuindo pra prefeitura espalhar
mais fontes pela cidade, é?”
“não tem graça”
agora ela estava bem acordada
“essa semana recebi mais dois emails
daquele cara maluco”
“o que vive dizendo que vai se matar?”
“hum hum”
essa cidade só tem gente maluca mesmo
“ai que tédio”
“e a viagem?”
“que viagem?”
dando de desentendida, sempre
muda de assunto
“teve manifestação artística no sábado”
“hum hum”
“o seu amigo Antonio Conselheiro estava lá”
“quem?”
nem percebeu a ironia
não sabia o que era pior
uma cidade que é um tédio
uma namorada que é uma porta
ou se o problema era ele
que andava sem saco pra nada
wallace puosso
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"A cidade não pára, a cidade só cresce
O de cima sobe e o debaixo desce"
Chico Science
A Idade da Cida Idade da Cida Idade...
Aos 13 anos, no ano de 1979
Cida deixou sua cidade no estado do Piauí
E veio com sua família morar em São Bernardo do Campo/SP.
20 anos depois
Ansiosa,
Cida voltou pra visitar sua cidade natal
E pôde conferir o quanto tudo havia mudado:
- pessoas
- paisagem
- programação nas rádios
- gostos
- gestos...
Pôde também observar e se chocar
Com a construção de dois prédios enormes no centro da cidade.
- dois dentes grandes nascendo na boca gulosa da especulação imobiliária –
Cida voltou decepcionada pra São Bernardo do Campo.
E se questionava:
É certo condenar esse tipo de evolução?
É certo a cidade mudar tanto sem consultar
O coração dos seus habitantes?
Réginaldo Poeta
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INTELECTUMULO (diálogo com Oswaldo Jr.)
Como se fosse uma tenda Guarani
Todo domingo a gente vem dançar aqui
Assenta a poeira com os dois pés no chão
Sinta o tambor batendo no coração
Quanto custa um brinco Guarani?
Quanto custou a alma deste povo daqui?
Quanto custa um livro da cultura Guarani?
Quem ilustra?
Quem aplaude?
Quem só degusta?
Ou se assusta as custas
Da beleza-miséria Guarani?
Povo daqui
Guarani
Povo dali
De acolá
Sem terra pra dançar
Sem terra pra plantar
Sem terra pra brincar
Sem terra pra caçar
Sem terra pra orar aos deuses Guarani
Brinco Guarani
Tenda Guarani
Livro Guarani
Alma Guarani
Raulito
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Geomemória
Campo-baldio
muro-estrada
torres-árvores
Teto-céu
Cartografia de infante
signos de outra cidade
ocupada pela verdade
de um primeiro coração.
Fábio Ramos
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FUGITIVO
São linhas claras
definidas num mapa,
espaços conhecidos
onde nada se escapa.
Perdí-me em ruas
becos e saídas.
Achei-me em braços,
lixo, prostitutas.
Ví-me nas janelas dos prédios.
Nas vitrines pareci rei.
Desenhei-me nos espelhos.
Nos altares não entrei.
Na multidão sendo levado
peguei o caminho errado.
Segui para longe de mim mesmo
sem carinho ou qualquer cuidado.
Diluí-me neste anonimato.
Vendi minha identidade.
Tornei-me sem perceber
fugitivo nesta cidade.
João Possidônio Jr.
Apesar de gostar de mato,
ResponderExcluirnão vivo sem a cidade.
Muy bueno !!
5 x 0
Fulgurante Fabinho...o signo construido pelo geoespaço veio de um lugar que um dia não o foi,que no passado remoto também possuia um primeiro coração rudimentar.
ResponderExcluirOi poderia a postagem ser anonima gostei do textos. Uma bela reflexão da cidade. Nunca pixei.Já passamos da idade. Belas reflexoes.Espero que vire um livro. As vezes é necessário gastarmos alguns tostoes para por em livros que não serão lidos. Mas ficam -se os registros.Sucesso neste projeto. Quem se mata?
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