Folhas Secas ao Vento
Não. Não era a primeira vez que ele via algo assim acontecer naquela antiga vila operária. Segundo os antigos, outras tragédias haviam passado por ali desde que os indígenas cederam seu lugar a algo mais elevado, mais merecedor, por assim dizer, de todo o progresso que viria depois. A pequena localidade recebera seu nome de um santo operário e, talvez por isso, orgulhava-se de suas incipientes manufaturas e de seus trabalhadores, atraídos das vilas ainda menores ao redor. Nada mais inspirador que nascer de um santo, e nenhum modelo melhor que um santo operário. Ele e seus amigos continuavam olhando para a poeira que ainda baixava enquanto os últimos e débeis redemoinhos levantavam as folhas secas ao vento. Muita gente ficou assustada com a notícia. Todos sem exceção, os descendentes dos indígenas e os forasteiros, estavam certos de que aquilo não era justo. Não com aquela cidade.
Por muito tempo os habitantes da vila construíram a imagem de hábeis artesãos. Dominaram progressivamente a arte da tecelagem, da moldagem da cerâmica e do uso dos ventos. Em uma progressão sutil, mas própria da habilidade daquela gente, passaram a controlar técnicas cada vez mais sofisticadas, abandonando as anteriores, ultrapassadas. O controle do vento foi exemplar da tenacidade daqueles trabalhadores. Como ele não podia ter sido ensinado, pois nenhuma outra localidade no país o dominava, os operários da vila decidiram que iriam, eles próprios, desenvolver meios para que isso se tornasse a atividade operária dos novos tempos. O símbolo da inteligência de um povo. E assim o fizeram. Em muito pouco tempo, o melhor catavento da época foi desenvolvido e apresentado à vila, que agora devia considerar-se Cidade, categoria de agrupamento mais adequada ao status dos produtos que criava. Cataventos de diversos modelos davam prova de que aquela cidade deveria ser levada a sério. Num breve piscar de olhos todos os habitantes estavam envolvidos na produção daquele que seria o ícone da nova urbe, reconhecido além fronteiras e razão do sucesso econômico do antigo povoado. A cidade do santo operário, que dedicou décadas à formação dos operários do vento, como eram chamados, era agora conhecida mundialmente.
E ele era parte daquela tradição. Tanto quanto seus amigos, foi formado para dar seu melhor para a cidade. Quando a notícia enfim veio, já havia circulado como boato nos pequenos grupos operários, que no entanto não acreditaram. Como, afinal, seria possível que um dia o vento acabasse? Toda a história daquele povo havia sido construída com base nos movimentos do ar e seria impossível produzir cataventos se o próprio vento, a matéria-prima de todo o conhecimento, se esgotasse dessa maneira. Por isso a surpresa. Era fato que nenhuma calamidade, fossem enchentes ou epidemias, a falta de escolas ou a ruína de estradas, nada, nada naquela cidade suscitava tanto alarde e pena quanto a demissão ou a morte dos homens que moldavam o ar. Por isso, quando a ausência de vento trouxe a certeza do fim, seus olhares e os de alguns milhares de companheiros somente podiam fitar o infinito.
Recuperar as antigas habilidades talvez pudesse gerar uma espécie de renascimento para a antiga vila operária. Lidar novamente com tecidos, com a terra, que nunca acaba, ou com madeira, quem sabe. Consultar os indígenas e os anciãos. Algo deveria ser feito, e logo. Enquanto pensavam, uma imensa quantidade de matérias-primas lhes passou à mente, todas menos etéreas que aquilo a que estavam acostumados. Para aqueles a quem apetecia brincar com o ar, moldar coisas sólidas parecia coisa do passado, mas ao menos elas estavam ali, e eram visíveis. Nada como o fim das coisas que já não temos, para termos certeza de que não eram indispensáveis. Já que o cenário mudara, talvez ajudasse se soubessem que o santo não era operário, mas carpinteiro. Tanta volta, tanta volta, para descobrirem-se novamente falando de santos, barro e madeira? Parece que tudo volta ao início, sempre. É. Não era a primeira vez que se via algo assim acontecer naquela antiga vila operária.
Oswaldo Jr.
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na natureza selvagem
Quantas vezes você já foi livre?
Quando ela lhe ofereceu a mão você achou que o dia seguinte já não era mais como antigamente. Então você passou a contemplar o tempo, olhando-se por dentro.
Será que paz em excesso assusta?
Desconfortável, os pés às vezes procuram outra forma de andar.
Você só quis ser livre. E não há nada de errado nisso.
Talvez um dia – quem sabe – você se case, tenha filhos, um carro e uma vida modesta.
Você não precisa mais do que já tem. Porque, quando você quiser mais, aí sim você precisará de espaço. Cada vez mais espaço.
E dentro de você, ficará encerrado o horizonte estendido e uma estrada que não acaba nunca. E na sua vida honesta, você estará entardecendo.
Na natureza selvagem, quando o sol se põe, apagamos por dentro, lentamente. E o sono regenera para a jornada do dia seguinte.
O tempo passa rápido, muito rápido e não temos controle algum sobre isso. Mas a vida segue em ciclos. Um novo ciclo a cada manhã.
Cada vez que você abrir os olhos alguma coisa mudou e muda. Sempre.
wallace puosso
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Quando tudo se acalmar, comprarei uma casa em Amsterdam
Noites e noites deitado ao teu lado,
Observando a volúpia das tuas curvas;
A doação das tuas óstias...
Me alimentavas feito uma planta rara;
Me iluminavas feito uma noite esquecida.
O começo da nossa história deu-se no dia
Em que a convidei para bailar
Nas areias esquecidas e escuras de Bertioga.
Sexta-feira-santa,
Uma tempestade cinza invadiu-me o peito,
Um convite ao desapego,
Foi impossível evitar a separação.
Em frente ao porto de Santos
E pronto para nunca mais voltar,
Apaguei o foco do desespero
Nas lágrimas que caiam
Feito gotas musicais dos olhos dela,
E deixei-a entre andorinhas, mendigos e embarcações,
Feita uma estátua de cimento.
- parti -
O renascimento está
Não naquilo que acredito,
Mas sim,
Naquilo que invento.
Réginaldo Poeta
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