Sansão e Dalila, obra de Peter Paul Rubens |
BAILA
COMIGO. SEMPRE!
À meia luz. 2/2.
Balbucio algo em seus ouvidos.
O globo malemolente incita nossos
desejos mais recônditos.
Envolvo-me na sua cintura molhada e
esguia.
Em círculos desenhamos a música no chão
do salão.
Dá impressão de que o tempo parou e
permitiu o eterno.
Como tudo caminha para o fim, a música
inicia seu término.
Suas colcheias e fusas vão esmorecendo
Custo acreditar que algo de valioso se
dissipa.
Aprofundamos num beijo
Estáticos
***
Não há mais círculos.
Há apenas o ponto fixo no salão, e dali,
começamos a morrer.
Charles Lima
SANSÃO
- HERÓI UNIVERSAL
O menino nasceu pra cumprir a jornada
Desde cedo, balbuciou certezas.
forçou as pernas para
caminhar,
rabiscou planos e
aventuras.
Aos 10, parou de cortar os cabelos.
Cavalgava de bicicleta.
Com 12 viajou de trem.
Com os pais.
Com 15 encontrou o amor,
mas pouco durou,
dos beijos desejados
a frustração de não querer.
Reiniciou a jornada, desejou ser herói.
Comprou a lanterna,
guardou.
A melhor mochila e
barraca, guardou.
Comida enlatada,
guardou.
Mapas e bússola,
guardou.
Aos 18, convocado.
Exame de rotina,
medidas anotadas,
porte físico
completo.
De tudo que guardou
nada usou.
Na entrada, os cabelos negros caíram no
pátio
Junto
com outros espalhados.
Arma na mão, sem coragem nem força,
roupa camuflada,
Sangue no chão,
estouro de bombas.
Sansão estava no chão.
A jornada terminara.
Sem leão nem deuses.
Apenas armas,
trincheiras e gritos de dor.
Thais Lopes
Pudera eu buscar uma força
que não tenho
Quisera que o mundo me ouvisse
ao menos uma vez
E eu diria do amor que hoje desdenho
que o faço por fraqueza
e pequenez
E que se chances eu tivesse
de ser grande e forte e verdadeiro
para esse amor eu gritaria
e ao mundo inteiro:
Eu era a caça abatida
onde vias a fera
E tu de fato me tens
como sempre me tiveras.
Oswaldo Jr.
FUNDAMENTAL
O Homo
Sapiens abre ao jornal (Folha,
Estadão) antes de ir para o escritório, lê com desdém a manchete sobre
Paris e o número de mortos e coisa e tal e fala alto “...bem feito! Quem mandou se aliar com os americanos? É bom pra
aprender!” enquanto a mulher, doutro lado da mesa só escuta, nem se atreve
opinar (pra quê?). No caminho do trabalho, não consegue passar de 40, 50km/h,
deseja ter a rua só pra ele (por que não?). No rádio (só ouve Eldorado),
acusações de evasão de divisa do Cunha. “Isso
é coisa de petralha, onde já se viu? Agora isso, pra tirar o foco deles... Esse
país é um puteiro mesmo...” . Recebe uma ligação. Consulta de um processo,
sobre o qual resolve nas próximas oito quadras. Sob o minhocão, os moradores de
rua de sempre. Por ele, mandava tudo de volta pro nordeste, bando de vagabundo.
Num semáforo, meninos fazendo malabares. Certifica-se que o vidro está fechado,
a porta trancada e respira mais aliviado. “Esses
merdinhas devem ter fugido da Fundação Casa, só pode!”. Tem certeza
absoluta que o governador está no caminho certo quando propõe a construção de
mais presídios. Decisão acertada, como sempre. Enquanto passa pela Paulista: “...essa merda de ciclovia é coisa de gente
desocupada. Só pode. Servicinho de merda desse prefeito Suvinil...” mas
diminui a velocidade pra olhar a bunda de uma menina que anda numa bicicleta
amarela e ainda tem espaço pra mais umas duas ou três buzinadas por causa de
motoboys, ciclistas, carros que andam devagar, essas coisas de país atrasado,
sabe como é? Quando chega ao escritório, cantadinha barata na secretária
novinha, cafezinho (com adoçante) para ouvir as últimas dos colegas, depois
banheiro, lendo a Veja enquanto caga feliz, depois Facebook, pra se manter atualizado
e aproveita pra fazer reserva pro musical da Claudia Raia no fim de semana.
Pronto! O Homo Sapiens está preparado pra dar sua melhor contribuição para a empresa, para o sistema, para as coisas
nas quais ele acredita. Mas o mundo, o país, a cidade não merecem alguém tão
especial quanto ele. E ele realmente não entende. Porque definitivamente, algo
deve estar muito errado.
Ele só não sabe o quê.
Wallace Puosso