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ANTES (E DEPOIS) DE NÓS
O que existiu antes de nós? A pergunta martelava
em sua cabeça. Mas algo dizia que o pior estava por vir. Imaginar que ainda
seria chamado de ignorante, primitivo,
ultrapassado, cérebro de noz e outros absurdos assim... Só mesmo com muita
paciência pra aturar aquilo tudo. E ele aturava, porque sabia: partir para a
ignorância seria perder imediata e irreversivelmente a razão, até o final dos
tempos.
O que houve antes de nós? Outros parceiros
e parceiras, naturalmente. Afinal, havia
razão para tamanho espanto? É da vida, e quem fica remoendo o passado perde
a chance de viver o presente – talvez até a perspectiva de futuro.
Antes de nós, provavelmente, seres menores,
vida mais simples... E a temperatura?
Por alguma razão, a dúvida havia surgido na sopa primordial dos pensamentos.
O tempo passava. Sim, brincava ele de si
para si, eis uma conquista do nosso tempo... A própria existência de tempo.
Talvez tenhamos, então, inaugurado alguma coisa realmente importante: a noção de tempo.
A noite chegava e, com ela... A fome
crescia, mas não (só) a fome biológica. Ele precisava de respostas, e sentia aproximar-se
o desespero ao constatar a dificuldade de formular, com um mínimo de precisão,
sua tensa e inevitável pergunta: o que...?
Perto das copas das árvores, encontrou
alimento farto. Isso o consolou: acho que
teremos para sempre, aqui em cima, é só esticar o pescoço e...
Afinal, o que houve antes de nós? Calor,
talvez. Agora, o que havia era frio, muito frio – um frio que crescia, inundava tudo, impedia até de pensar.
Ao longe, um deles começou a rugir. Ouviu-se
uma longa série de gritos... Primeiro, eram aterradores; depois, incômodos; em
seguida, apenas ruidosos. Em questão de minutos, ele teve sincera pena ao ouvir
o que parecia ser um último suspiro. Tristeza...
Viu o tiranossauro
cair, para não mais se levantar. E ele, o herbívoro da turma,
entendeu que também não teria muito mais tempo ali.
O
resto é silêncio.
Paulo R. Barja
O CORAÇÃO DA PEDRA
Olho
para o coração da pedra
e
tento vislumbrar
o
que ela traz de outras eras.
Olho
para a pedra com simpatia
o
que temos em comum:
minerais
nos meus ossos
que
se temporizam
e
se dissolvem
sob
as chuvas dos meus anos.
Ela
resiste quase uma eternidade
deve
se gabar
diante
de minha brevidade.
E
nós tão humanos
enquanto
elas tão pedras
às
vezes os reinos
não
se encontram.
Os
eretos, ilusoriamente geométricos
e
elas, as curvas, disformes e estáticas.
Olho
para o coração da pedra
e
tento vislumbrar
o
que ela traz de outras eras
até
o meu tempo.
O
meu tempo é sopro
enquanto
reino, crente
que
sou rei,
ignorando
que no final
dos
meus dias
ela
olhará com indiferença
pensando
que em sete mil anos
é
apenas mais um orgânico
que
viu nascer, crescer, viver
e
depois retornar ao reino mineral.
Luiz Felipe Rezende
Latência
No
que me lembro de mim
eu
era assim, meio que um sopro
o
fôlego que se toma antes do salto
o
músculo alerta, tensionado
a
força que antecede a ação
Antes
de existir você.
Eu
era, sim, a tela com o esboço
a
inspiração antes da fala
Mesmo
pronto para o voo
eu
era apenas a minha base
Antes
de você, sim
eu
era um quase.
Oswaldo Jr.
aos
que virão depois de nós
Agora só quero cantar coisas
e cores e nomes, formas e coisas
que me digam respeito
que sejam de praxe
com verbo novo e sintaxe
flor do lácio o sambódromo
ELZA NOEL e CARTOLA
flor do ócio, extremo oriente
flor do ódio potência e declive
AMÉRICATÓLICA destila (e nem sente)
pra que SEATTLE se temos RECIFE?
e e e e ma-ra-ca-tu atô-mi-co
monólito da batida MANGUE B-E-A-T
Pra que MIAMI se temos GUANABARA?
Atrás do arranha céu tem o céu tem o céu
tem o mel e a morena Iara que brota do mar
Pra que BASQUIAT se temos GENTILEZA?
Pra que JEFF BECK se temos MUTANTES?
e antes, o que é que havia antes?
Havia o sonho o sol o céu e o mar da BOSSA
JOHNNY WALKER aqui é CACHAÇA
Vamos brindar aos santos de todos os cantos
e aos tantos orixás e iorubas:
nagô, xangô, nação zumbi, viva ZUMBI!
Pra que GERSHWIN se temos TOM JOBIM?
Pra que MARILIN MONROE se somos LEILA
DINIZ?
GAL CLARA ELIS (e quem mais vier)
Pra que GAUTIER se temos BISPO DO ROSÁRIO?
Andando a esmo, em sentido anti-horário
com brilho brilho de sol próprio
Agora só quero cantar coisas
e cores e nomes, formas e coisas
que me digam respeito
E o resto o resto é passado
wallace puosso
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