4 de agosto de 2010

MEMÓRIA

A vida num porta-malas

As coisas que me interessam estão à frente.
Não que eu não quisesse lembrar-me,
mas minha vida parece empurrar-me
para muito longe do que já vivi.

Ajudam-me as fotos e os amigos.
Sem elas, reconstruo um passado cada vez menor
em minhas lembranças.
Com eles recupero histórias que esqueci.

Tento levar comigo as coisas de valor
mas, às vezes, nesta estrada
as vejo como pequenas luzes piscantes
ficando menores em meu retrovisor.

Oswaldo Jr.

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íris

... ela olhou para o portão de madeira lascada, por uma fresta da janela. Ninguém na rua. Cedo ainda. Tornou a arrumar a cortina de linho puída, já amarelada. Pelo tempo. Suspirou longamente, um suspiro quase desbotado. A casa quieta, ainda guardava ecos de vozes alvoroçadas que há muito não se fazia sentir. Solidão. Ela, sozinha numa casa com reticências. Sobre a velha cômoda de mogno, um porta-retratos. Um só. Memória de um amor emotivo, distante. Na primeira gaveta, cartas amarrotadas pelo manuseio. Cartas não, breviários. O amor só é eterno nos poemas de amor. As palavras já não lhe eram solícitas. Cansaço. Sentou-se na velha cadeira de balanço, olhou mais uma vez em volta e fechou os olhos. Pra frente, pra trás, pra frente, pra trás... Metade dela era saudade e a outra nem nome tinha. Os olhos umedecem mais com o passar dos anos. E as lembranças, como o tambor de uma arma imaginária. Então ela finalmente tomou coragem e apertou o gatilho. Sorrindo, pela primeira vez em anos. Um sorriso sincero. Como há muito não se dava.

wallace puosso

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Pêndulo

Atropelei a noite sólida
Com os meus 328 verbetes.

Pedi licença as faixas do asfalto
Que tão bem repartiam
Os cabelos daquela escuridão
E caminhei sóbrio e só
Rumo ao sul de Minas Gerais.

Lembro apenas que demorei 17 dias
Para chegar ao destino almejado,
E com calos nos pés e sorriso nos lábios,
Abracei o céu azulado da minha juventude
E pude enfim sentir
O perdão aconchegante dos meus pais.

Ao fugir com Glória no auge dos meus dezesseis
Eu imaginava que a vida era uma fotografia 3 x 4,
Revelou-se um outro estado de coisas.

Glória ficou; eu voei...

Réginaldo Poeta


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a memória é o paraíso
e o gatilho da arma
("aperitivo" enviado por Wallace junto com a troca de emails)

No esforço de lembrar do teu corpo
Toquei-te
("aperitivo" enviado por Reginaldo, depois do aperitivo do Wallace)
.
.

4 comentários:

  1. A memória... amiga... saudosa... triste... longe... perto...
    Amo as poesias, os contos, as letras que escrevem balançando os corações dos leitores...

    bjs e abços

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. É a certeza de encontrar tanto encanto nas palavras que me traz até aqui. Obrigada, meninos

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  4. Meninos
    vocês me dão sorte
    a inspiração vem de perto
    gosdimais de passar por aqui.

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