7 de dezembro de 2010

O que é que tem no sótão?

Tema sugerido por Braga Barros.

Próximo tema: Educação
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FADE OUT

- "Havia algo que eu pudesse ter dito"?
- "Não, acho que não", ela disse.
- "Que eu pudesse ter feito, pra, sei lá..."
- "Não se trata disso, eu..."
"Tudo certo. Vamos dar às coisas o tempo das coisas", ele disse,
enquanto pensava em uma última frase que pudesse dizer e que
o faria lembrar-se daquela cena para sempre. Ele sabia que,
muito em breve, estaria guardando mais uma caixa de lembranças
em meio a tantas outras, que lhe contavam histórias que ele
não queria esquecer.

Oswaldo Jr.
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brilho eterno de uma mente sem lembranças

molduras de porta-retratos
diários em branco
poemas em guardanapos
fotos amareladas
postais desbotados
cartas pela metade
uma flor prensada
entre as páginas de um livro
num lugar chamado saudade

wallace puosso
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Um olhar capaz de atravessar o túnel 65

Aquele homem que todos os dias chega e se esparrama no sofá, sem sequer pensar na carência das flores. Aquele homem que evita revirar o sótão com medo de se encontrar em objetos perdidos e empoeirados. Aquele homem que é respeitado nos grandes centros comerciais por nunca ter arrumado confusão por trocos não recebidos, mas que em casa provoca a paz do seu filhinho por não ter devolvido umas moedas que sobrara da compra do pão da manhã. Aquele homem que adora caminhar, sem buscar o padrão de qualidade física aceitável nas passarelas da vida, mas que busca simplesmente a essência de um ar puro e que se esforça pra entender a delicadeza das pedras. Vi aquele homem se olhando no espelho e pasmem! Aquele homem se parece muito comigo.

Réginaldo Poeta

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Dê Lírios

Azulejo, piso
Peça pra reposição

Muito beijo, branco queijo
Peça para o coração

Ar puro, afresco

Leve-leve
Meu endereço

Raulito
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E tudo o que ele havia secretamente
guardado como garantia de manutenção
da ordem de seu universo, agora não servia
a nada, não fazia mais sentido.
Fechou a página do livro e pensou: Que bom.

Fábio Ramos
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ALGOZ

Foi fácil abrir a portinhola que dá para o sotão da casa onde morou por 27 anos com os seus pais. Agora, que a casa estava para ser vendida, ele resolveu buscar algumas lembranças guardadas lá por tantos anos.
Ainda bem que era inverno e era suportável ficar lá em cima, mas no calor do verão não se aguenta ficar cinco minutos lá sem suar em bicas.
Foi fácil encontrar a caixa de papelão já corroída pelo tempo e pelas traças.
Foi fácil abrí-la e rever aqueles brinquedos velhos, relíquias sem preço, tesouro quase intocável. Eram carrinhos de plástico, bolinhas de gude, pião, pedaços de um forte apache com indiozinhos e cowboys em miniatura. Tinha também um tabuleiro de xadrez, um baralho faltando cartas e o inesquecível caminhãozinho de madeira...
Foi fácil perder-se no tempo e viajar mais de 50 anos até a sua infância...

Difícil foi fechar os olhos naquela noite.
Impossível foi dormir.
Foram tantas as lembranças que passaram pela sua cabeça que as lágrimas não paravam de brotar dos seus olhos.
A certeza de que a infância passou rápido demais e ele não se dera conta do quanto.
Durante todos esses anos nem ao menos a trouxe para perto de si para acalentar o caminho do homem adulto. Não fazia citações nem contava histórias para arrancar risos entre os irmãos, primos ou das outras crianças que hoje estão na família.
Deixou a sua infância guardada naquele sotão, empoeirando junto com aqueles brinquedos.

A noite arrastou-se sem pressa. O relógio tic-tacteava como a dar-lhe golpes na cara.

O sotão na cabeça de cada um não perdoa o tempo perdido.

João Possidônio Jr.

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