25 de outubro de 2015

TEMA 5: OUTUBRO VEIO CEDO (PAULO BARJA)

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Iucateque (ou La Piedra del Sol en nuevas carreteras)

Como no Tzolk'in
meu Uinal de 20 dias
inicia-se hoje, 30
(Moan no calendário Maia)
Outra primavera:
respeito / devoção aos ancestrais
Devo o que sou a eles
Mas num pré-colombiano inverso
desconfio que já nasci clássico
talhado para horizontes amplos
e noites longas
Eu, coruja.


Wallace Puosso





Outubro veio cedo

Outubro veio cedo. E foi num dia assim que ela escolheu partir. Nem se despediu. O primeiro impacto foi pura estranheza: como assim, partir? Era tempo de festa. Uma, duas semanas antes estávamos cantando juntos a chegada da Primavera. A grama era verde e sabíamos. Havia sol e frescor. Pequenas flores: amarelas, vermelhas, acho que azuis ou verdes também. Fiquei de pesquisar o nome. Nunca o fiz. Ela brincava: vamos achar o nome das coisas, preparar tabuletas – depois embaralhamos tudo! E ria, de um riso solar. Primaveril.
Outubro veio cedo. No fim de novembro, encerro tudo! Depois, só os exames. Pouca coisa, não vale a pena esquentar a cabeça. Uma nova casa, melhor. Um novo carro, menor. Movido a mijo, quem sabe? O riso solar, mais uma vez. Eu trago as cervejas. Toalha? Pra que? Compartilhemos com formigas nosso almoço. E fazia sentido. Com ela, tudo fazia.
Outubro veio cedo. No Dia do Professor terei umas 200 provas pra corrigir, eba... Desanima não: o Dia das Crianças vem antes e te dou presente. A um grisalho? Ao menino que vejo em você. Só ela era capaz disso: o milagre de me fazer sorrir. Mesmo com sono ou fome.
Outubro veio cedo. Com ele, as chuvas. É bom, limpa o ar. Também curto, mas é pelo som. E as gotas no vidro... Verdade, vidraças líricas. Faça uma canção, ela propôs. Com você, respondi. Mas não fiz.
Outubro veio cedo como o fim de “Yesterday”. Os quatro eram fabulosos, mas custava ter mais uma estrofe? Ou um solo, sei lá. Ela, definitiva: Tudo tem o tempo exato.
Outubro veio... Por quê? Devia ser sempre setembro. Um calendário em suspenso, uma folha no ar, ela ali.
Será?


Paulo Barja




Em outubro, sei lá

Eu não te esperava tão cedo. Na verdade, tinha quase certeza de que não voltaria; por isso, foi uma surpresa ver seu carro na garagem. Não parei. Ao ver que você estava, percebi que ainda não estava pronta pra te encontrar. Deu aquele sufoco, sabe? Acho que não consigo conversar de novo. Desculpe, mas espero que me entenda. Só consigo te mandar esta mensagem. Passou um tempo; tempo demais. A vida da gente vai mudando, você sabe. Acontecem outras coisas. Não volto pra casa esta noite. Seria melhor se amanhã você já não estivesse aí. Depois mando suas coisas. Em outubro é aniversário da sua mãe, talvez a gente se veja, sei lá. Olha, vai ser melhor assim. Por favor, não me espere. E não se preocupe comigo. Eu tenho onde ficar.

Oswaldo Almeida Jr.




Outubro veio cedo

Amanheceu outubro
com um céu rubro

A cada novo dia
o que de mim
descubro?

Os meses não param
apenas eu,
tenho a sensação
de que estou parado
apesar de tudo mudar
ao meu lado

Corro para ver o rio
da minha cidade
Tudo vai descendo
com as águas:
as emoções
e os momentos vividos

E assim vão-se os meses:
Outubro
Novembro
Dezembro

vem natal
e vai o ano

e a Vida vai.

Para onde?



Luiz Felipe Rezende

16 de outubro de 2015

TEMA 4: QUATRO (OSWALDO)

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QUADRICROMIA

Você é a soma
de todas as coisas que desejo
olhar / abraço / sorriso / beijo
nº composto, primário
congênere e oposto
quase perpétuo lunário
devido à absorção de luz
visualizo você em 4 cores distintas
aplicando vontades
em quantidades variáveis
a densidade de algo chamado saudade
somos quadrado de dois: eu e você.


Wallace Puosso




PORTA FURADA
Passaram-se quase quatro anos e num desses dias lá estava Deoclécio; parado e meio tonto a uns quatro passos do portão da casa de onde havia saído sem querer saber de destino ou salvação. A rua estava deserta e era por volta das quatro horas da tarde, dessas tardes que parecem feitas para prosear dentro de casa ou tirar um cochilo enrolado num cobertor. Uma tarde nublada de inverno catarinense, nem muito frio mas com muito vento.
Deoclécio lembrou-se da angústia que sentia todas as tardes quando chegava naquela mesma casa, depois do trabalho, no tempo que morava lá com Alice, sua mulher. Era sempre o mesmo desespero; encontrava tudo em desordem, a casa desarrumada, louça suja na pia, roupa fora do lugar. Ele não suportava esta desconstrução do seu jeito de ver o mundo. Era estoquista da tenda de materiais da fábrica onde trabalhava e para ele tudo era muito quadrado, tudo retinho, tudo perfeitamente alinhado. Precisava dessa solidez; sentia-se perdido quando se deparava com aquela desorganização na sua vida. Daí tudo era motivo para briga e a união não aguentou.
Assim, sem suportar suas próprias paredes, largou tudo e saiu por aí... para tentar se encontrar mundo afora.
Não se encontrara tampouco... e lá estava ele, prestes a entrar e pedir perdão.
Ainda hesitava em aceitar que ele deveria desculpar-se dos seus conflitos e tentar refazer seu castelo.
Tanta confusão naquela cabeça.
Avançou os passos. Parou defronte a fachada. Desistindo do recomeço, pegou o seu “três-oitão” e meteu dois pares de tiro na porta.
“- Aqui não volto mais não!”
Gritou feito um descontrolado. Deu meia volta e sumiu no mundo outra vez.
Alice mal tomou conhecimento do acontecido, pois não estava na casa naquela hora. Já havia se conformado com o sumiço do marido ha tantos anos.
Achou que os tiros foram obra de garotos corrompidos pelas drogas.
O que a incomodava era ainda não ter tido dinheiro para trocar a porta da casa.
Toda vez se irritava em chegar em casa e dar de cara com aqueles quatro furos de bala bem na porta de entrada.

João Possidônio Jr.



Alegre ou triste
Amigo é coisa que eu quero por perto.
Para eles preparo canções,
patê de ricota com folhinhas de manjericão
vinho e pão com azeite fino.
Quando eles vêm arejo a casa
abro as janelas e planto flores
faço uma cortina de palavras 
e revelo segredos.
Aprendo novas coisas
digo que os  amo e repito
uma, duas, três, 
quatro vezes.
Amo-os...
Com amor de madureza sem reservas
depois  basta fechar os olhos
que  a noite me cobre de sonhos.


Zenilda Lua




O quarto filho

Nasci na Serimbura, de família Bustamante.
Bustamante com Almeida, pra dar a liga.
Parto natural, pelas mãos de minha avó,
de quem não puxei aos olhos azuis.

O quarto filho, que trouxe esperança e medo
porque chegou quando alguns já tinham partido.
O garoto pegou no tranco, veja bem,
quase fica pelo caminho. Quase fica.

Era para ser assim, meio fraco meio forte
Um tanto de cada, tudo junto, mas com sorte
O quarto filho, que só agora vê mesmo algum sentido
O quarto filho. Quando outros já tinham partido.

Oswaldo Almeida Jr.


11 de outubro de 2015

TEMA 3: A MÚSICA MAIS LINDA DAQUELA VIAGEM (ZENILDA)


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a parte mais linda daquela música é você

De toda essa nossa conversa sobre tempo
cicatrizes, desejos e coisas utópicas
conversar (ainda) é o melhor
imagino flores num inverno rigoroso
sonhos em meio à trincheira
respostas de onde nem imagino
charadas difíceis de decifrar
provérbios em quase desuso
micro poemas sussurrados ao ouvido
melodias pelo seu corpo harmonia
palavras trocadas de lugar, de intenção

(vamos sair de mãos dadas pelo mundo
e deixar que o tempo componha sua parte)

Wallace Puosso


Andava gabando-se
conversava com Zé Miguel Wisnik,
tinha o número do celular do Lenine e 
trocava e-mail com Antônio Cícero.
Colecionava umas coisas esquisitas
dizia que o coração era fraco para músicas de saudades
tinha natureza ambígua 
contemplava coisas tangíveis.
Numa tarde febril de testamento médico 
encontrou um CD de gravação caseira 
numa caixa azul toda empoeirada

"É a primeira vez que você vai tão alto sozinha.
É a primeira vez que você vai tão alto sozinha!"

Elevou o som e chorou com Léo Mandi
perto da linha que margeia o mar.

Zenilda Lua


Para sempre a sua canção

Enquanto a estrada não finda, aguardo que anoiteça
Desligo o rádio do carro. Enfim uma chance de ouvir
Canções que eu talvez reconheça

Quanto mais bela a paisagem, mais difícil que eu te esqueça
Tudo tem seu fim, eu sei. Menos o que sei de você
E as melodias na minha cabeça

Oswaldo Almeida Jr.

  
Música para Viagem

Arrumou suas coisas
durante um ano inteiro.
Foi assim se despedindo
sem cerimônia ou rodeio.

Pegou seu escapulário bento
e o pendurou no pescoço,
mesmo não sendo tão fervoroso
melhor tê-lo por perto
em caso de caminho arriscoso.

Seriam tantas as novidades
nas suas próximas paragens
que dúvidas não tinha mais não;
deixara de lado as amenidades.

E assim
partiu na sua derradeira viagem.
Na despedida
pediu para que tocasse Paulo Leminski
e que essa música lhe guiasse...
Valeu amigo, valeu!

João Possidônio Jr.

6 de outubro de 2015

TEMA 2: QUANDO O ESPELHO SE QUEBRA (POSSIDÔNIO)



Quando o espelho quebra

Constrange-me esse alarme disparado no peito.
O reflexo dos teus instintos continua nas minhas primícias,
ações e respostas.
Ainda não consigo praticar o desapego
nem mesmo quando o espelho quebra...

Zenilda Lua




Fractal

Quando o espelho quebra
você vê
o que tem do outro lado?
O outro lado.
Quando o encanto acaba
acaba
quando o efeito passa?
Quando a sentença se desgasta
e o exemplo não mais serve
você se sente mais humano?
Sente a finitude à sua volta?
Quando o reflexo
fragmenta-se em milhares
o que sobra é a essência.
Aí você finalmente
chega à conclusão de que
é preciso se reinventar
                 se reestruturar
                 se enxergar de outra forma
Outra forma
protótipo de uma utopia possível.
Somos feitos 
da mesma matéria dos sonhos.


Wallace Puosso




ESPELHO QUEBRADO

O espelho quebrou.
O esmalte estragou.
A maquiagem se desfez
e o tempo passou...

Na beleza que se reconfigura,
a trinca da imagem
forma novo desenho
que com a ruga da face se mistura.

Sem medo de trazer os sonhos de volta
e os suspiros de menina moça,
é a certeza da senhora
que nesse instante se mostra.

Quando o espelho quebra
é preciso que o pudor vá embora.
É tempo de olhar-se para dentro
não mais para o lado de fora.


João Possidônio Jr.




Retrovisor

Já lhe disseram que é pra frente que se anda
Várias vezes
O mesmo número de vezes que você pensou
em dizer o mesmo a alguém, ou seja,
você sabe. E mesmo assim lhe doem as lembranças
É difícil seguir quando o passado não some do retrovisor
Você nunca está sozinho num espelho.
Você se lembra, aquela mulher lhe disse:
filho, não olhe para trás
E mesmo com medo, você tentou,
já cansado de trazer os olhos vermelhos
É mais ou menos como dizem
De vez em quando, quebre seus espelhos.


Para minha mãe.


Oswaldo Almeida Jr.

2 de outubro de 2015

TEMA 1: METÁFORA (WALLACE)



Ele chegava num carrancismo que dava nos nervos. 
E com voz de alumião que mete medo repetia-se:
- Quem é que manda aqui?
Malamanhada e encolhida sentada para além da touceirinha de alecrim ela respondia se amarelando toda:
- Ocê, uai!
Pois então deixe de parecer uma noite de assombração e encoste o seu suave nos meus traquejos para escutarmos as estrelas tocadeiras de viola!
- Vambora, Preta! Marquei seu cheiro na minha sorte e agora seu semblante repercute até na minha escuridão...
Ela ganhava âmago de natureza em chuva.
Quem que aguenta tanto encanto matizando o simples?
Quem que aguenta por amor-de-Deus?
Retirava o arco-íris da latinha e entregava o que tinha de mais brando ao seu galã de meia-tigela.

Ela desconhecia metáfora, mas vestia os olhos de um bonito tão ameaçador que ele definhava silencioso e quietinho igual girassol no sal.

Zenilda Lua

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Vamos lá.

[PAUSA]

Vou tentar falar s/ o que sinto
uma linha por vez
outros sentidos outros
para velhas palavras
(de ordem?)
Outros ruídos ruídos
numa velha harmonia
A paisagem mudou
perdemos o voo
por pouco (bem pouco)
Nosso rock já não diz (diz?)
o que é necessário
Todos querem respostas - você já reparou?
A dieta ideal
Ser feliz é...
Jesus falou...
O que fazer c/ os refugiados
sírios curdos palestinos
nordestinos (sob as pontes da pauliceia?)
Como manter o corpo
a amizade, a ideia
o humor, a chama da relação
o controle da situação controle
Todos todos querem respostas
Mas talvez tenham se esquecido
Qual foi mesmo a pergunta?

[PAUSA]

Vamos lá. Agora vou desenhar:


M  E  T  Á  F  O  R  A


Wallace Puosso

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Mediterrâneo

Doze mortos na travessia
quatro crianças.
Há uma onda de migrantes,
dizem eles – os de dentro do muro.
Até há pouco, nadar
nadar e morrer na praia
era apenas figura de linguagem,
uma imagem menos forte
do que hoje tem sido.
O mundo está matando as metáforas
ou ampliando seu sentido?


Oswaldo Almeida Jr.

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METÁFORA

O que falo de mim não sou,
o que deliro não sonho.
de onde vim me perco.

A imagem do espelho mal me explica,
os livros que leio me desmentem
e a voz que emito não grita.

De tanto tentar me definir
e muito me inventar,
esvaziei-me de mim
e de imagens me fiz.

Tal como cacimba rasa,
não lhe dei água limpa
nem tampouco respostas certas.
Me escondi em metáforas
confundi minhas ideias,
criei verdades zonzas,
fiz um mundo de quimeras.

E assim,
barco no mar da mente afora
num oceano de aspereza
levo um desejo insano
de achar minha própria certeza.

Loucura em baú trancada
a sete chaves de lata
que impacientemente espera
o dia de ser libertada.


João Possidônio Jr.