26 de julho de 2010

COLAPSO

As coisas que não morrem

Às vezes é difícil de perceber. Acontece quase como o fato de envelhecer: você não percebe a situação enquanto está passando por ela. E isso é tão conhecido, tão comum e comentado que já nem deveria ser surpresa. Com as coisas importantes da vida, também é assim. A gente se dá conta de que viveu algo fundamental depois de muito tempo, depois que se baixa a poeira levantada pela nossa própria excitação do tempo presente e nos é possível, finalmente, enxergar. O tempo, como a distância, é uma lente de aumento poderosa.

Somos levados por um grande sentimento de alívio quando olhamos para trás e, em meio aos escombros ainda fumegantes pelas explosões, reconhecemos o passo na direção certa que nos permitiu estar entre os sobreviventes. “Ela não era mesmo a pessoa certa”, você pensa quando consegue livrar-se de uma história que parecia escrita para não ter fim e, ao final, mostra-se como apenas mais uma entre tantas histórias. Havia uma única saída possível, e você a encontrou. Conduzido mais pela curiosidade que pela certeza, você seguiu tateando pelas sombras até o local que parecia mais iluminado, hesitou como todos os que têm de fazer escolhas, e saiu. Naquele momento, você não sabia se o local escolhido era exatamente de onde havia começado a trajetória, nem se o chão escolhido estava livre das minas explosivas. Só o fato de ter sobrevivido é que lhe mostrou que estava certo. Mais uma vez, o tempo.

Algumas pessoas frequentam nossa vida sem necessariamente termos permitido. Quase no susto, como aquelas pessoas que furam fila, cuja atitude invasora, desconcertante, nos deixa atônitos e imobilizados. Até que, sem razão aparente, somem sem deixar rastro. Nem elas nem nós saberíamos dizer porque aquela relação teria durado tão pouco. Anos depois, ao acaso, você se lembra de que fulano, como era mesmo o nome daquele cara, costumava vir às reuniões em sua casa, trazido certamente por alguém que você também não conhecia muito bem. Nós mesmos às vezes iniciamos relações pessoais ou de trabalho que, olhando depois, não parecem fazer sentido. Mais do que nos ajudar a nos conhecer melhor, o tempo nos ajuda a ver quem efetivamente não somos. Aceitar o que não somos nos ajuda a acolher e a escolher aqueles com quem temos afinidade. “No, no, no, it ain´t me, baby. It ain´t me you´re looking for”, diria Zimmerman, nosso poeta inspirador. Não, não, não, não sou eu, garota. Não sou eu quem você procura.

Felizmente para todos, há aqueles que estão próximos durante toda a nossa vida. Também não os percebemos, ao menos não imediatamente. Anos, décadas depois, você percebe que aquela pessoa sempre esteve ali, alinhavando suas histórias, a sua e a dela, com uma linha tão clara que se confundia com o tecido. Nos momentos decisivos, de alguma forma sempre esteve presente, de forma discreta. Você nunca precisou chamar, nem ela nunca precisou mostrar-se disposta. Um compromisso não verbalizado selava a responsabilidade de um para com o outro. Apoio era a palavra. Nos momentos de alegria ou de colapso, apoio. Certas coisas, para o bem ou para o mal, a gente não planeja. Talvez aconteça assim com as melhores lembranças. Um dia, com o olhar distante até onde a memória alcança, a gente pode se lembrar de alguém que a gente gostaria mesmo que nunca tivesse saído de perto. Nesse momento, com uma garrafa de vinho e a tranquilidade de quem já conhece as artimanhas do tempo, você pode ter a sorte de ter essa pessoa a seu lado. Não perca a oportunidade de fazer um brinde aos velhos tempos e às coisas que não morrem.


Oswaldo Jr.

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uns caras

tem uns caras brancos de olhos azuis que determinam os rumos do mundo, das guerras, das crises há muito tempo
mas uns caras de olhos puxados querem (e vão) dominar o mundo logo
e mais um tanto de caras de pele morena ainda tomarão decisões corajosas em tempos sombrios
outros caras usam corte de cabelo militar e andam com camisetas camufladas, exibindo seus rottweilers e pit bulls
tem alguns caras à solta no trânsito, que pensam que seu carro é apenas mais uma arma, ou uma extensão fálica do macho que eles jamais serão
enquanto outros matam por nada, todos os dias, nas grandes cidades
tem uns caras que se acham o centro das atenções, outros cheios da razão e por isso o mundo é do jeito que é
alguns tentam fazer a diferença, mas são poucos em meio à multidão de incrédulos
muitos caras gostam mesmo é de colocar defeito nos outros, mas não saem do lugar
feliz mesmo, é a tartaruga, que vive muito porque não fala mal de ninguém


Wallace Puosso

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Mil faces de um mesmo céu

Vinham tristes as águas que caiam do céu
Levando os telhados e os coqueiros da linda Alagoas...

- Alagando animais,documentos, pessoas -

Ferindo a simplicidade de quem se dedicava apenas às rezas.

Não atendendo aos conselhos,
D. Nêna mergulhou em busca do seu filho Flamarion
E até hoje não margeou...

Lama e caos; descaso e muita dor.


Réginaldo Poeta

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anexo: sobre desafios e encruzilhadas

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É interessante como se dá o processo de criação artística.

Inicialmente, “travei” com o novo tema proposto: colapso. O receio neste caso é escrever sobre mais do mesmo. A impressão que fica desta contemporaneidade veloz é que, tudo o que havia pra ser dito já o foi.

Então, dizer mais o quê?

Parece que a arte – de um modo geral – está numa encruzilhada. E como a arte é a princípio um reflexo do homem, podemos até dizer que este sim, está sem rumos.

O desafio de temas propostos intercaladamente entre eu e Oswaldo é um pouco nossa resposta a essa coisa confusa e ampla na qual se tornou a literatura contemporânea. O desafio de escrever algo poético sobre um tema aleatório nos leva a refletir sobre o próprio ofício da escrita. Uma reflexão importante em tempos de blogosfera, onde qualquer um pode escrever sobre qualquer coisa.

Pois bem. Para o tema desta semana, a fonte parecia ter “secado”. Mas eis que, numa caminhada no centro da cidade, a idéia “estala” de uma hora pra outra, sem avisar.

Basta ter um estímulo visual, sonoro, tátil e a criatividade vem à tona.

Assim se dá o processo de criação artística. Impulsionado através dos sentidos. E não há nada mais primitivo do que isto.

Será que, neste caso, uma saída para a nossa falta de rumo seja buscar coisas primais como RITOS, MITOS e sensações adormecidas há tanto tempo?

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Wallace Puosso

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Quer saber sobre o que estou falando?

Visite um terreiro de Candomblé, assista uma apresentação do La Fura dels Bals ou do Teatro Oficina leia menos livros de auto-ajuda e mais os clássicos da literatura. Ouça Mozart, Bach e Beatles. As melhores sensações estão sempre por perto. Basta abrir os olhos e os poros.

3 comentários:

  1. Saudações!!! Estou gostando demais de acompanhar esse blog! Palavras profundas... tocantes... fizeram meu pensamento viajam em outras palavras de outro grande músico/poeta: "as vezes parecia que era só acreditar, e o mundo então seria um livro aberto. Até chegar um dia em que tentamos ter demais, vendendo fácil o que não tinha preço...". Abraços!

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  2. O Oswaldo Jr. estava inspiradissimooo....rsrsrs
    nada como as férias...Mas curti todos os textos
    bjs

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  3. Pois é, esse foi pro Wallace! Obrigado!

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