13 de julho de 2010

FOBIAS

Normal


Sim, eu sei. Eu devia ter medo.
Acontece que as fobias dos outros
são sempre maiores que as minhas
e eu acabo por sentir-me normal.
Nesta cidade,
onde malucos com pose de cineastas
vivem um mundo imaginário
e floreiras têm o papel
que as esculturas deveriam ter,
a realidade parece a única coisa
com chances de acontecer

Oswaldo Jr.

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manias


Ele se considera um sujeito normal. Previsível, meio sem graça até.
Levanta da cama todos os dias com o pé direito. Pra dar sorte. Caminha por calçadas listradas evitando as partes claras. Entra no escritório sempre pela mesma porta, dá a volta pela mesa (sempre de um lado só). À noite, quando o expediente termina, faz o mesmo trajeto de volta. Caminha a pé – não por opção, mas necessidade - pequenos trechos. Às vezes tem a impressão de ver coisas entre as sombras. Desde pequeno.
A cidade parece avançar sobre ele, lenta, imprevisível. Algo cai e se quebra. Alguém grita numa rua distante. Sons de passos. Ninguém no seu campo de visão. Ele sabe que a cidade cresceu.
Houve um tempo em que os trajetos eram menores. E os medos também.
Chega são e salvo ao prédio onde mora. Vence os 14 andares de escada. Não encara elevador. A única vez em que se atreveu, transpirou sem parar, o coração querendo sair pela boca. Nunca mais.
No apartamento, as portas sempre ficam abertas, semi fechadas ou não fecham de jeito nenhum. De propósito.
Sempre faz questão de afirmar aos amigos mais próximos:
“Sabe aquela estranha sensação de estar “sarcofagado”? Pois é. Se a palavra existe, ela ilustra bem o que sinto”. Sarcofagado.
Tirando essas manias estranhas, é um sujeito normal. Gente boníssima.
Muita gente tem medo de voar, Kieffer Sutherland tem medo de espelhos e Natalie Portmam, de tartarugas, a cantora country Lyle Lovett chora quando vê vacas e Woody Allen, além do medo de cores fortes, também tem medo de altura, lugares apertados, lugares com muitas pessoas e qualquer outro lugar que não seja Manhattan.
Vai entender.

Wallace Puosso

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1983


Era um dia útil.

Nove, dez, onze, meia noite
E nada do meu Irmão Luis chegar do trabalho.

- apreensão total nas nossas retinas -

Dormimos com olhos abertos,
Desejando ouvir o som doce do portão se abrir: nada.

Acordamos primeiro que o sol,
Morávamos no Jardim da Granja.

Minha mãe saiu em busca de hospitais,
Meu irmão mais velho foi ao IML/Delegacia,
Eu fui ao bairro do PUTIM, onde residia minha irmã,
A esperança era que o Luis estivesse por lá: nada.
Passei onde ele trabalhava, disseram que ele havia saído no dia anterior
Por volta das 17h00.

O diálogo não se estabelecia e já era perceptível em nosso olhos
A fundura do aperreio.

Começo de noite e meu cunhado Francisco
Chega com a notícia que encontrara meu irmão,
No hospital POLICLIN.

Meu irmão havia desmaiado em plena avenida 9 de julho
E um médico que saia do plantão
Viu meu irmão caído no chão e o socorreu,
Guardando ainda com muito carinho sua bicicleta.

Fomos visitá-lo no hospital
E aí descobrimos o impacto fulminante de uma paz desconhecida.

- alívio -

Outros dias úteis vieram
E a cada atraso do meu irmão
Meu coração já se hospedava no muro do desespero
Aquecendo o sangue novo de uma fobia recém adquirida.


Réginaldo Poeta

5 comentários:

  1. Pessoas poetas, a minha normalidade está sempre por um fio. Este é o des a fio! Parabéns pelo novo blog, beijos, Luci

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  2. Obrigado pelo convite, seguirei-os de perto.
    abraços!!!

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  3. Queridos, parabéns pela idéia: é fantástica! O tema escolhido é muito legal e instigante, pois... "entre nós e a loucura há um limite que é quase nada!"(Nelson Rodrigues). Vida longa ao blog!!!

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