2 de outubro de 2015

TEMA 1: METÁFORA (WALLACE)



Ele chegava num carrancismo que dava nos nervos. 
E com voz de alumião que mete medo repetia-se:
- Quem é que manda aqui?
Malamanhada e encolhida sentada para além da touceirinha de alecrim ela respondia se amarelando toda:
- Ocê, uai!
Pois então deixe de parecer uma noite de assombração e encoste o seu suave nos meus traquejos para escutarmos as estrelas tocadeiras de viola!
- Vambora, Preta! Marquei seu cheiro na minha sorte e agora seu semblante repercute até na minha escuridão...
Ela ganhava âmago de natureza em chuva.
Quem que aguenta tanto encanto matizando o simples?
Quem que aguenta por amor-de-Deus?
Retirava o arco-íris da latinha e entregava o que tinha de mais brando ao seu galã de meia-tigela.

Ela desconhecia metáfora, mas vestia os olhos de um bonito tão ameaçador que ele definhava silencioso e quietinho igual girassol no sal.

Zenilda Lua

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Vamos lá.

[PAUSA]

Vou tentar falar s/ o que sinto
uma linha por vez
outros sentidos outros
para velhas palavras
(de ordem?)
Outros ruídos ruídos
numa velha harmonia
A paisagem mudou
perdemos o voo
por pouco (bem pouco)
Nosso rock já não diz (diz?)
o que é necessário
Todos querem respostas - você já reparou?
A dieta ideal
Ser feliz é...
Jesus falou...
O que fazer c/ os refugiados
sírios curdos palestinos
nordestinos (sob as pontes da pauliceia?)
Como manter o corpo
a amizade, a ideia
o humor, a chama da relação
o controle da situação controle
Todos todos querem respostas
Mas talvez tenham se esquecido
Qual foi mesmo a pergunta?

[PAUSA]

Vamos lá. Agora vou desenhar:


M  E  T  Á  F  O  R  A


Wallace Puosso

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Mediterrâneo

Doze mortos na travessia
quatro crianças.
Há uma onda de migrantes,
dizem eles – os de dentro do muro.
Até há pouco, nadar
nadar e morrer na praia
era apenas figura de linguagem,
uma imagem menos forte
do que hoje tem sido.
O mundo está matando as metáforas
ou ampliando seu sentido?


Oswaldo Almeida Jr.

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METÁFORA

O que falo de mim não sou,
o que deliro não sonho.
de onde vim me perco.

A imagem do espelho mal me explica,
os livros que leio me desmentem
e a voz que emito não grita.

De tanto tentar me definir
e muito me inventar,
esvaziei-me de mim
e de imagens me fiz.

Tal como cacimba rasa,
não lhe dei água limpa
nem tampouco respostas certas.
Me escondi em metáforas
confundi minhas ideias,
criei verdades zonzas,
fiz um mundo de quimeras.

E assim,
barco no mar da mente afora
num oceano de aspereza
levo um desejo insano
de achar minha própria certeza.

Loucura em baú trancada
a sete chaves de lata
que impacientemente espera
o dia de ser libertada.


João Possidônio Jr.

Um comentário:

  1. Nos textos feitos a partir da palavra METÁFORA, esta oscila entre a estratégia da linguagem para revelação até dos mínimos detalhes, como no belo (meta)texto da Zenilda e a forma de, dizendo, esconder (João Possidônio Jr). A metapergunta do Wallace ("Qual foi mesmo a pergunta?") encontra resposta talvez definitiva no texto do Oswaldo: afinal, será que o mundo está matando as metáforas... ou ampliando seu sentido?

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