13 de setembro de 2010

PAI

antes tarde

o hospital ensinou-me a beijar meu pai
o hospital ensinou meu pai
a receber meu beijo.

há parte de mim na dor que se vai
há parte de um outro naquele que vejo.

Oswaldo Jr.

--------------------------------------------------------------

Fleuma

NOITE FRIA DE JUNHO, eu sob o alpendre contando estrelas, pensamento longe. Você olhando fixamente a fogueira no terreiro. Nesta noite, apenas divagaríamos. Você recusou-se a jogar “War”, por ser longo demais. Eu então tomei uma garrafa de vinho italiano, lembrando farras num hotel em São Lourenço. Coisas que você nem imagina. O silêncio atordoante fez-me pensar que estrelas emitem sons. Como algumas palavras refletem luz. Então percebi seus olhos fixos em mim como se eu pudesse ampliar minha visão periférica. Isso eu aprendi no teatro. Algumas coisas a gente não esquece. Esqueci sim, do seu último aniversário e isso lhe encheu de fúria. Ainda que você não tenha falado nada. Eu sei. Você nunca fala. Minha memória não é meu ponto mais forte. Ainda que para datas e números. Por isso jogo palavras cruzadas. Suponho que eu nunca tenha lhe amado, que você nunca tenha existido de fato e seja apenas convenção. A culpa é de quem? Não somos capazes de “ler” o que as íris dizem. Então, o silêncio retruca. Você abaixa os olhos, vira o rosto. Talvez alguma coisa incomode. Acendo um cigarro e o trago calmamente “Essa merda ainda acaba comigo”, por fim resolvo arriscar e puxo assunto: “Noite fria, não?”. Silêncio. “Achei que seria bom conversarmos, há tanta coisa...”. Silêncio. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez segundos depois – que poderiam ser horas, dias, meses, anos, sei lá, dez segundos depois tomo coragem e desafio: “Onde foi que erramos, pai?” Você então vira o rosto. Os olhos marejados. Acho que não precisamos dizer mais nada.

Wallace Puosso

--------------------------------------------------------------

Ausência que atormentou as ruas da minha alma


Quando eu era criança
Não sabia explicar direito
Para os que me perguntavam
Sobre a ausência do nome do meu pai
Na minha certidão de nascimento.

- nunca sofri muito por isso -

Assim como também
Não conseguia entender
Porque ele aparecia
Apenas em determinados momentos,
Trazendo presentes raros e desculpas tão comuns.

Minha mãe protegeu aquele homem
Feito jóia rara,
Só muito tempo depois fui entender
Que ele tinha outra família
E por esse motivo se escondia
Entre desculpas, tensão e seus escombros.

De tudo isso, da palavra PAI, sobrou pra mim
Apenas o nascer de uma forte sigla:

PAI= Presença Amorosa Inconstante

E da figura do meu pai, sobrou pra mim
A imagem de uma árvore linda
Mas que insistiu em não crescer...

Réginaldo Poeta

4 comentários:

  1. Sou a caçula de 5 filhas, meu pai só teve meninas. Há dez anos ele virou estrela...Um homem simples do campo, trabalhador incansável, poeta violeiro contador de causos. Até hoje minhas irmãs têm cíumes pq dizem que eu era a preferida do papai! Calúnia, replico: - eu ainda sou!:)Parece que toda tarde ele vai chegar com sua vara de pescar e o samburá cheio de lambaris...Salve! Parabéns pelo tema e pelos textos!

    ResponderExcluir
  2. Meu pai agreste se foi bem cedo. Cativo do álcool abriu todas as torneiras do desafeto e nos deixou numa véspera de domingo dia de nossa senhora da conceição. Meu pai católico, provedor de versos curtos, soltador de fogos de artifícios e pescador de primeira. Tinha voz terna e um cheiro diferente que, eu infante, desconhecia a procedência.Quando mais tarde dando falta de ternura e esperando sua mão que nunca mais tocara a minha, entendi a rudeza da sua fala e passei a detestar aquele cheiro com a maior força que a verdade pode guardar.
    Não chorei a morte do meu pai. Suas escolhas renegaram minhas lágrimas, amor e fonte de ajuda. Após deixar o corpo na casa 2 do cemitério São Miguel voltei para casa descoberta e forte.
    Guardei seus chinelos e o lençol cheirando cigarro. Sua rede de pesca, arreios e sela atrás da porta adornavam o silencio naquela tarde grossa.
    Ao escutar Chico Buarque numa manhã de maio, lembrei-me dos olhos claros que meu pai tinha e, desprovida de qualquer dor chorei sozinha.

    "Depois de te perder
    te encontro com certeza
    talvez no tempo da delicadeza
    onde não diremos nada
    nada aconteceu
    apenas seguirei como encantada ao lado seu"


    Repetindo a Luci, parabéns meninos pelo tema e textos. Me empolguei né?
    bj'Z

    ResponderExcluir
  3. Lendo os textos do Reginaldo eu finalmente vim a compreender a profundeza da dor de um poema pequeno que ele fez: Pai Xão Mãe Lua.
    E lendo o texto da Zenilda eu vim compreender ainda mais o poema Quimera 77 se não me engano.
    E lendo o texto do Oswaldo, pude entrar dentro da dor de ver o meu pai no hospital, felizmente, ele já saiu e está em casa.
    Todos nascemos para a poesia, pois ela está nas entranhas de cada um, é esta a força que mostramos, esta é a poesia do nosso tempo.

    ResponderExcluir
  4. Já chorei com essa crônica-poema da Zê.
    Por ela tomei coragem e escrevi para meu pai e
    até disse que o amava, coisa que não fazia a muitos anos.Meu pai tb escolheu outra família e eu não aceitava e nem entendia.
    Sou fã da Zenilda e aquele "Tô indo Fia" do quimera 77 mexeu comigo desde quando comprei o livro dela.
    Vou voltar mais vezes para ler o blog.
    SCARPEL está ceto esta é a poesia do nosso tempo.
    adorei.

    ResponderExcluir